"É ATRAVÉS DA VIA EMOCIONAL QUE A CRIANÇA APREENDE O MUNDO EXTERIOR, E SE CONSTRÓI ENQUANTO PESSOA"
João dos Santos

quarta-feira, abril 20, 2011

Obsessão e compulsão nas crianças: normal ou patológico?


Um, dois, três, quatro, cinco, seis” – diz a criança no carro a contar as árvores ou postes que vão passando.
É habitual e até normal as crianças apresentarem, ao longo do crescimento, algumas obsessões. No entanto, com o desenvolvimento psicológico é espectável que esses pensamentos obsessivos e intrusivos desapareçam.
Como as crianças têm, normalmente, uma enorme dificuldade em relatar e descrever sensações, emoções e/ou sintomas, muitas vezes as suas as atitudes obsessivas e/ou compulsivas podem ser mal entendidas pelos pais, os quais tentam corrigir com chamadas de atenção, castigos ou agressões.
É importante, então, compreender do que se trata quando se fala de Perturbação Obsessiva-Compulsiva da Personalidade.
A obsessão é caracterizada pelo perfeccionismo, pela preocupação excessiva com detalhes, regras, listas, ordens, organização ou horários, entre outros. É comum que esta se desenvolva antes das obsessões ou, até mesmo, que exista sem obsessões (no caso das crianças). E há diversas formas de se mostrar. Por exemplo:
  • Ideias obsessivas de Dúvida - dificuldade em acreditar que determinada tarefa foi feita da forma certa. Ex: Nestes casos, os cadernos das crianças têm muitos sinais de borracha por terem apagado e escrito muitas vezes a mesma palavra
  • Ideias obsessivas de Sujidade e Contaminação – estão relacionadas com temas como pó, sangue, doenças. A criança pode ter ideias obsessivas quanto à sua auto-estima, achando-se suja por exemplo.
Por sua vez, a compulsão, é um comportamento sistemático, repetitivo e intencional que surge, muitas vezes, devido à ansiedade causada pela obsessão ou para evitar que alguma situação que assusta a criança realmente ocorra. Por exemplo:  “se eu não bater na madeira 3 vezes, alguém de minha família vai ficar doente”... “se eu não rezar 2 vezes essa oração, o monstro mau aparece debaixo da cama”...
As compulsões mais comuns são:
  • Limpeza e descontaminação - como por exemplo, lavar mãos, roupas, objectos  pessoais repetidamente
  • Verificação - diz respeito à necessidade absurda de testar, conferir ou examinar repetidamente as coisas para conferir que ficou bem feito. Por exemplo, voltar inúmeras vezes para confirmar se a porta está fechada, a luz apagada, a janela fechada, a gaveta fechada, etc.
  • Repetir ou tocar - muito comum também, uma vez que a própria característica das compulsões é a repetição. Acender e apagar a luz diversas vezes para aliviar a ansiedade da dúvida de ter deixado acesa
33 a 50% das pessoas referem que o início da perturbação ocorreu na infância ou adolescência pelo que é preciso estar atento quando um pequeno grau de obsessões não só se mantém como, diversas vezes, aumenta e domina o dia-a-dia da criança, colocando-a num enorme sofrimento pois, por vezes, o inicio é repentino e muito claro para as pessoas em redor; outras vezes é insidioso e pouco óbvio.

Outro sinal que poderá ser valioso para os pais diz respeito ao rendimento escolar. Este, por norma, tende a diminuir como consequência da menor capacidade de concentração da criança, que se encontra dominada e assaltada por outros pensamentos que não aqueles que dizem respeito à aprendizagem.
Acima de tudo, independentemente das diversas características que a Perturbação Obsessivo-Compulsiva pode ter e apresentar, é fundamental compreender se o bem-estar da criança está a ser posto em causa pois, muitas vezes, a criança, devido às obsessões e/ou compulsões, sofre internamente, muitas vezes de forma silenciosa, e nestes casos é importante procurar ajuda especializada. A intervenção precoce nestes casos pode evitar a consolidação de funcionamentos muito angustiantes para a criança.

É fundamental nunca esquecer que, a infância, apesar de repleta de contos infantis com finais felizes, salas de brinquedos e muita inocência pode, naturalmente, ser contaminada por dúvidas, medos, receios e/ou angústias. Que são válidas e legitimas e que devem ser ouvidas e tratadas para que a criança e os pais consigam dar um nome ao sofrimento que não entendem e reconhecem.

Por Maria de Noronha, Psicóloga Clínica.

segunda-feira, abril 11, 2011

Ser mãe

 
 Artigo publicado IN  REVISTA FOCUS de 28 de Abril de 2010

O conceito de Amor Materno apesar de universalmente reconhecido, surgiu apenas no último terço do séc. XVIII quando se deu uma revolução de mentalidades que conduziu a uma alteração na imagem de mãe, no seu papel e na sua importância.


De acordo com a psicóloga Maria de Jesus Candeias, a partir desta altura começa a considerar-se a criança o objecto de valor privilegiado na atenção materna e insiste-se em que a mulher se sacrifique para a melhor qualidade de vida do seu filho.

Um dos primeiros indicadores de mudança no comportamento da mãe é a amamentação.

Com as mudanças nas vivências familiares que surgem no final do séc. XVIII e durante o séc. XIX com a valorização dos laços afectivos em especial em torno da figura da mãe. “Começou a dar-se um sentido diferente à maternidade, alargada e estendida à vivência da família muito para além dos nove meses de gravidez”.

A Psicanálise dá no séc. XIX um contributo decisivo para a compreensão e promoção do papel fundamental da mãe no desenvolvimento da criança e vem promover a mãe, a grande responsável pela felicidade do seu filho que passará a ser uma grande marca na definição do seu papel, e o quanto esta é importante na construção da personalidade do novo ser.

Como refere Winnicot, psicanalista inglês “ o primeiro espelho da criatura humana é o rosto da mãe, o seu olhar, sorriso, expressões faciais etc” Opinião partilhada por Maria de Jesus Candeias, que afirma que “A relação entre mãe e filho, que se desenvolve e estabelece ainda antes do nascimento, vai moldar o desenvolvimento intelectual e emocional da criança”

A psicóloga reflecte sobre o papel da mãe e afirma que: A relação que se estabelece entre mãe e filho, desde os primeiros momentos de vida será a base da segurança, autoconfiança, auto-estima e capacidade para estabelecer relações ao longo da vida da criança.

E é a partir do reflexo do espelho da mãe que a criança se vai reconhecendo, vai sentir que é amada, e vai passando a existir e construir a sua identidade.

É a mãe pelo seu discurso que vai ensinando a criança a ler e a compreender o mundo à sua volta, ajudando a criança a dar significado aquilo que a rodeia.

É a mãe que por assim dizer trata a informação que o bebé recebe, que a transforma, reduzindo os seus estados de tensão e de mal-estar e facilita a adaptação e o bem-estar do bebé.

É este trabalho mental da mãe de transformação dos estados da criança, de «continente psíquico», que salvaguarda a qualidade das suas primeiras experiências e que são decisivas para o sentimento do “EU”, e indispensáveis para a sua formação e desenvolvimento.

Uma adequada maternagem deve facilitar uma lenta e gradual separação e abrir caminho para a entrada em cena de um pai, passando de uma diade para uma relação a três, passando a criança a reconhecer a existência de terceiros numa relação, ensinando desta forma a criança a socializar-se.

É a mãe a fundadora dos valores e das auto-representações da criança. É ela enquanto primeiro elemento de vinculação, que vai a criança a “ler o mundo à sua volta” e a tornar-se pessoa. A mãe é pois um importante modelo de identificação para o filho.

Porém, não podemos deixar de referir que o amor maternal é algo infinitamente complexo e imperfeito;

O amor Materno depende não só da história pessoal de cada mulher, da oportunidade da gravidez, do seu desejo da criança, da relação com o pai mas também de factores sociais, culturais e profissionais.

Não é raro verificar que «em relação aos filhos, todas as mulheres repetem a história da sua própria relação com a sua mãe ».

Ser mãe é pois um grande desafio. Infelizmente não há receitas para ser mãe! E deixemos de ilusões : não há mães perfeitas!

O Ideal são mães “suficientemente boas” atentas, disponíveis, dispostas a aprender com o próprio filho, disponíveis para pensar a maternidade e romper com repetições geracionais muitas vezes patológicas, e principalmente com grande capacidade de amar!


Artigo publicado na Revista  FOCUS de 28 de Abril de 2010